



Tenho feito o exercício de me permitir um outro olhar para tudo, inclusive para o espaço que me rodeia . Um novo olhar, sem críticas, nem ironias, mas que me traga abrangência, abundância e generosidade! Sensação de janela aberta. Brisa alvissareira arejando meus pulmões.
Sentir-me atraído pela transformação. Compreender as diferenças. Queimar preconceitos feito sutiãs. Deletar filmes e lugares que já não tem mais nada a dizer. Limpar espaços, rever idéias. Carimbar o visto de saída do velho, que ainda se impõe vigoroso e forte e amparar com força o novo, que chega inseguro e tímido.
Muito já se falou sobre o espaço enquanto suporte da arquitetura. Nesse tempo todo, só consegui puxar uma pequena ponta desse gigantesco iceberg – o espaço não é só físico, mas um mix de informação. Traz várias sensações e interpretações. Nada é exatamente o que parece. Cabe a nós desvenda-lo exercitando outros sentidos. Ir além. Investigar o que ele revela, o que esconde.
Minimal, brega, descolado, chique ou modernex, nada pode ser forçado. Só funciona se tem alma e for preenchido pelo calor e pela energia de quem o habita. Sabe quando o ser humano é mais feliz? Quando ele não precisa mais provar nada a ninguém. Transita com desenvoltura por sua própria taba.
Um pilar descascado, revelando a textura e a estrutura do concreto, um móvel que traz história, uma parede com a herança do revestimento anterior. Uma peça antiga que só faz sentido para quem mora ali, ou até mesmo um brazão da família em cima da lareira!! Enfim histórias! Somos feitos das nossas histórias, que podem ser essenciais, e não pesados fardos. Histórias pontuam nossa vida. O espaço, é o palco onde se desenrola a nossa história .
Descobri que existe uma estética na imperfeição. Descobri que posso me apropriar dela, desde que não seja por preguiça ou incompetência. Apenas por identificação. A imperfeição trabalha a nosso favor. Ironicamente nos coloca em harmonia com o caus no qual nos inserimos, e do qual não conseguimos sair . Somos, desequilibrados, esquisitos, insanos , mas extremamente interessantes e com uma imensa capacidade de adaptação a qualquer circunstância.
O que dizer então, da cadeira “do papai” que faz massagens nas costas, colocada em lugar de destaque, como a mais envenenada das chaises? Quadros tipo “incêndio na floresta” envolvidos em efeito de luz, dando a sensação de movimento? Sancas! Lustres mirabolantes, objetos estranhos quase bizarros… Essa, foi a paisagem que se descortinou diante de mim, ao entrar na casa de pessoas que não via há anos, e que num gesto absolutamente generoso e simpático, abriram seu espaço, para uma confraternização, sem saber que me proporcionariam um flasch back de mais ou menos quarenta anos. Cabeça, tronco e membros, totalmente mergulhados num túnel do tempo, jogando luz sobre fatos que já nem lembrava mais.
Num rápido momento de pânico, acionei meu replicante. Recurso que lanço mão para me substituir, quando farejo situações de alto risco, envolvendo enrrascadas/ programas de índio. Porém, meu fiel escudeiro, foi logo tratando de me tranquilizar, sussurrando aos meus ouvidos do alto de sua sapiencia : Relax brother, isso que você está vendo, chama-se autenticidade e estilo. Hoje você não vai precisar de mim.
Naquele ambiente, que aparentemente não tinha nada a ver comigo, por puro preconceito, quase perdi chance de passar um dos momentos mais felizes da minha vida. Fellini estava lá e eu nem me dera conta. Revi pessoas, lembrei de situações. Ri de mim mesmo. Me toquei que história é a única bagagem que podemos carregar neste mundão, e de uma certa forma, minha história estava inserida naquele espaço. Constatei que ali, embora diferentes da minha tribo, vivem pessoas absolutamente tranquilas educadas, doces, felizes e cheias de personalidade e atitude.
Depois dessa sutil lição, recolhi a minha imensa cauda de crocodilo pré histórico, e descobri que existe vida além do meu próprio umbigo. Cada espaço revela uma emoção diferente. Disso não tenho mais dúvida. Dei férias ao meu replicante pelos serviços prestados e cheguei à seguinte conclusão: A coisa mais moderna deste mundo, é ser autentico como aquelas queridas pessoas, que são donas do seu espaço, são extremamente felizes….e não precisam provar nada a ninguém.