Se alguma hecatombe se abatesse sobre este pobre planeta, e não sobrasse nada além de fumaça destruição e paisagem desértica, talvez alguns itens icônicos permaneceriam como testemunhas para contar a história do que rolou por aqui. Com certeza, um par de tênis All Star e um de sandálias havaianas. É uma questão de reconhecimento por serviços prestados, afinal, ambos nos serviram bem, com o designer perfeito e definitivo que possuem.
A paisagem poderia ser a estátua da liberdade, meio soterrada, com um All Star amarrado na cabeça , e uma havaiana enganchada na tocha, para ficar bem claro que por aqui um dia circulou vida, digamos, medianamente inteligente. Restaria também sob os escombros, uma garrafa de Coca cola, uma carcaça de fusca, talvez um retrato da Marilyn, um I-pod com a bateria fraca, tocando incessantemente alguma canção dos Beatles. Ah, talvez, também alguns filmes de Woody Allen, para explicar didaticamente, um pouco da nossa paranoia. Mas isso já é outra história.
O bom design não é biodegradável.
Vinte anos e poucos anos atrás, um tórrido verão de mais de 30 graus na Europa. Levei as tais sandálias no fundo da mochila . Para falar a verdade, sem a mínima intenção de usa-las. Imagine!!! Não só as usei, como serpenteei pelo velho mundo, observando a paisagem sob a ótica de um par de havaianas. As tiras não pertenciam a ela, eram de outra cor. Isso dava um toque ainda mais estranho, para aquela peça um tanto esquisita para os gringos. Minha namorada, que não era conservadora ou preconceituosa, fugia de mim como seu eu fosse vítima da peste negra. Sentia em seu olhar um misto de piedade e desprezo, uma vontade de dizer a todos que não conhecia aquele pobre mendigo que teimava em persegui-la por todo canto. Nem aí, desfilei com meu par de jóias, como se fosse um príncipe, entrando e saindo de hotéis, museus, restaurantes e catedrais. Para agravar ainda mais a ira dela, nosso passe de trem nos permitia transitar de primeira classe.
As havaianas me mostraram, Picassos, Matisses, Mondrians Monalisas, moinhos de vento e uma série de maravilhas inesquecíveis. Deveria te-las guardado. Recordo-me que a última vez que nos vimos, elas estavam nos pés da da moça que trabalhava na casa do meu pai, lavando a calçada . Nos encontramos, nos despedimos e nos agradecemos!
Uso o episódio como brincadeira, dizendo que “lancei as havaianas na Europa”, pois ao contrário de hoje, um ícone fashion, naquela época, ninguém conhecia aquelas maravilhas por lá.
Agora All Star, tem que ser de cano alto! O primeiro que tive, foi vermelho. Ganhei um, achei o máximo – começo dos anos 70 – era ” avis rara” por aqui. Quanto mais rodado, mais legal ia ficando. Entre as andanças que fiz por esse, e outros mundos, nesses anos todos, tive quase todas as cores, brancos, vermelhos pretos e azuis. Com cada um vivi boas histórias.
Confesso que de uns tempos para cá, uma questão tem me intrigado bastante e me deixado com uma sensação estranha: cabelo grisalho combina com All Star de cano alto? Será que ainda consigo segurar atitude daquela estrela impressa na sua lateral? E a nossa incrível cumplicidade, será que já expirou? Será que ainda seguro essa onda? A impressão que me causa, é a de que estou querendo parecer um eterno garotão… Essas perguntas são bem emblemáticas num certo momento da vida.
Quer saber, resolvi que vou dar um tempo para essas inconvinientes questões . Vou desencanar e sair logo atrás de um All Star verde, de cano alto. Acabei de lembrar que nunca tive um dessa cor . No fundo, acho que era essa resposta que eu estava procurando, afinal, da vida nada se leva, só a saudade de um par de havaiansa e de um bom e velho All Star…de cano alto…claro!